O meu reflexo no espelho reflete você. A admiração das pessoas pela rua não são pelos meus feitos, mas o quão a semelhança entre nós é gritante. Gritante. Isso grita, ecoa pela minha cabeça e me faz perder o sono. Eu não quero me parecer com você, não mais. Quis, durante uma vida inteira ser o orgulho, ganhar atenção, afeto e afagos. Recebi menosprezo, indiferença, fui o alvo das suas próprias frustrações.
Há 20 anos quando você simplesmente se foi e eu fiquei a procurar sua mão, com medo do escuro, sem muito entender o que se passava, me culpando por ter sido abandonada, que ironia! Você nunca fez o seu papel e hoje eu sei que não é minha culpa.
Eu nunca fui o bastante, eu nunca fiz o bastante, eu não era merecedora e isso me atormentava os dias. Fui diminuída intelectualmente, afetivamente e o pior, como mulher. Eu deixei você me violentar dessa maneira, porque, apesar de tudo que você já havia feito, era o ídolo maior. Eu resisti a tudo e hoje depois que eu me livrei da culpa e do cansaço dessa relação agonizante, onde tudo de bom que era emitido só trazia tempestades e caos, me sinto livre.
Só peço que essa semelhança irritante que é só mais uma provação fique apenas na camada física, que eu possa conseguir amar as pessoas, confiar e me entregar as minhas relações sem a sua sombra para me jogar num poço sem fundo novamente.
Hoje, você é apenas um fantasma no meu passado, ainda carrego a mágoa e o rancor dos seus feitos, mas hei de me livrar disso também, pra enterrar de vez a sua passagem por aqui.
- M.
